Um verdadeiro fã da Guerras das Estrelas não se interessa apenas pelo que está à superfície: aventura, efeitos especiais e criaturas criadas por geeks para geeks em ambiente pré-púbere. A invenção de George Lucas ultrapassa em muito este âmbito; desde a primeira trilogia que a ambição do realizador seria encenar uma space-opera em tons de tragédia grega. De Kubrick a Lucas vai um passo: esqueça-se a solenidade existencial de 2001, Odisseia no Espaço, acrescente-se um conflito edipiano - Luke vs Darth Vader em versão hollywoodesca - e tem-se a receita para um gigantesco êxito de público que também não deixa de seduzir grande parte da crítica. O segredo talvez seja essa capacidade de apresentar os grandes temas de um modo simplificado. Ninguém pode acusar seriamente Lucas de produzir entretenimento vazio, apesar dos milhares de crianças que acompanharam a saga dos guerreiros Jedi não serem, à partida, o público mais exigente.
Pense-se, por exemplo, na personagem do Imperador, que conhecemos na trilogia original como o governante máximo do Império e a mão que tudo controla, incluindo o lacaio Darth Vader. A prequela de Star Wars mostra-nos, ao longo de três partes, como ele se tornou Imperador, e é um tratado de política exemplar, Maquiavel em forma de cinema pipoqueiro. Começamos por conhecê-lo como senador Palpatine, influente no seio da República, primeiro apoiante das decisões democráticas que esta toma, mas simultaneamente preocupado com ameaças difusas, de rebeldes que actuam na periferia do conglomerado de planetas. A crescente ameaça leva a que a maioria do Senado decida, progressivamente, depositar nas mãos do Senador o poder que deveria ser democrático. Ele torna-se o guardião da instituição, dos seus valores, e simultaneamente opera nas sombras para chegar ao lugar máximo a que pode aspirar. Lentamente vamos percebendo que ele é Darth Sidious, a origem da ameaça difusa ao Império: a criação de um clima de perigo iminente e a sedução dos outros senadores acaba por culminar no inevitável, depois do golpe fatal: Palpatine torna-se Imperador, o senhor que domina o lado negro da Força, e o que antes era urdido na sombra surge claramente; a República transforma-se em Império e a democracia esboroa-se, desaparece. É a grande arte popular do século XX - o cinema - a reflectir sobre os mecanismos do poder e sobre o processo de degradação de uma democracia, o lento declínio em direcção à insidiosa tirania.
(Texto inicialmente publicado no Arrastão)
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