08/06/09

O espectáculo das eleições

A impossibilidade de olharmos para qualquer acontecimento exterior de modo inocente torna inevitável a construção de uma narrativa. Mas quando entre nós e o mundo se interpõe uma barreira, o conhecimento passa a ser ilusório, puro engano dos sentidos. Se essa barreira, mais do que ser opaca, é um espelho que distorce a realidade, quanto daquilo que vemos é passível de ser real?
O problema não é aceitarmos a inevitabilidade desta verdade, mas saber até que ponto é mais útil não saber nada do que se passa fora dos limites daquilo que não controlamos.
Olhando para a cobertura mediática da noite eleitoral, apercebemo-nos das narrativas que as televisões vão construindo. Da expectativa anterior às primeiras sondagens à boca da urna, prevendo um resultado num determinado sentido, até aos resultados definitivos, um longo caminho foi percorrido. Os comentadores, analistas, comendadores de serviço, debitaram quilómetros de opiniões, especulações, num festivo bombardeamento dos sentidos. Cada nova informação contribuía para que o espectador se afastasse mais da realidade. Dos erros das sondagens à surpresa da derrota, tudo parece ter sido preparado para que um grande espectáculo fosse assistido pelo maior número possível de pessoas. As marcas de uma obra de ficção estão à vista de todos: o suspense do fecho das urnas, os primeiros resultados, a expectativa sobre uma sondagem para as legislativas, os numerosos directos das sedes dos partidos com jornalistas ampliando os minutos de espera dos derrotados em marcação cerrada e mantendo a emissão numa euforia expectante enquanto os vencedores não entram. O mistério - políticos que abandonam as sedes partidárias -; o melodrama - políticos que choram no enfrentar das adversidades; a comédia - juventudes partidárias em encenadas celebrações; os diversos climaxes - o discurso de vitória, dedos no ar e punhos em riste, as pausas para que o público se manifeste. Indícios de um grande espectáculo, do outro lado do ecrã, para uma audiência de milhões. As narrativas que daqui saem mostram as sedes dos partidos vencedores cheias e eufóricas e as salas vazias dos vencidos depois do esvaziar da festa.
Depois de tudo ter terminado, resta aos jornalistas mais uma previsão, o preparar do terreno para a próxima perfomance do grande circo da política. Análises balofas, adivinhações, truques de ilusionismo que escondem derrotas, sobrevalorizações de resultados esperando mais vitórias.
E nós, do lado de cá do espelho, o que poderemos fazer para além de aceitar a realidade que nos oferecem?

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