Hoje, na última página do Público, Miguel Gaspar reflecte sobre o fim do mundo; nada de importante, ele tem razão: acabou quatro vezes este ano, se não mais. Ora é a subida vertiginosa do preço do petróleo, ora é a ameaça nuclear iraniana, ora é um ou outro atentado terrorista, a crise financeira, a derrocada económica... há incontáveis razões para pôr as mãos à cabeça. O que Miguel Gaspar não faz é dar o remate apropriado ao texto: para os media, estes têm sido tempos de festividade contínua. Os jornais analisam, as televisões gritam, os blogues alarmam, até à exaustão. Os canais de notícias, de hora a hora, repetem os augúrios de catástrofe, e em resposta os mercados entram mesmo em pânico, e as economias deprimem-se, e o mundo ocidental descarrila, como num mau filme de Hollywood.
A verdadeira notícia deste ano, conclusão alarmante de um período crescente de histerismo mediático, é que bastam os boatos dos jornalistas e as previsões dos analistas para as coisas acontecerem. O hipermediatismo actual leva a que tudo se saiba a toda a hora, e numa sociedade dominada por uma economia liberal que se funda em bens virtuais, em dinheiro potencial, basta a mais ínfima centelha de pânico para espoletar um incêndio incontrolável.
Quando a crise financeira rebentou, as televisões começavam de manhã a especular sobre a queda das boslas, continuavam ao longo do dia noticiando a queda das bolsas (espectacular Nostradamus) e finalizavam o dia aguardando ansiosamente o dia seguinte, que ainda seria pior que o anterior; o caos a qualquer momento podia se instalar, o fim do mundo parecia estar perto. Mas, milagre, umas quantas empresas faliram, o que até parece ser um facto normal nas sociedades capitalistas, e tudo passou, até que começaram a aparecer os rumores da crise económica (verdadeiros cavaleiros do Apocalipse), precedendo a real crise económica. O ciclo regular da economia parece que foi tomado pelo medo, de forma estranhamente parecida ao que acontece com o terrorismo; cada previsão económica dos analistas dos media destila o receio sobre o que virá. Pessimistas ganham espaço nas colunas dos jornais e tempo de antena na televisão, perorando infinitamente sobre a podridão do mundo actual e suspirando sobre um tempo mítico que na realidade nunca terá existido.
Convém não fecharmos os olhos aos indícios (o misticismo apocalíptico é o maná dos nossos dias). Tudo pode terminar? Claro, eventualmente, não é isso que está em causa. Mas mais depressa terminará a imprensa tal como a conhecemos, e se indícios existem, é disso mesmo; a imparável tabloidização de todos os meios de comunicação é um sintoma do fim de uma era, a que não será, de todo, alheio, o surgimento dos blogues e do do it yourself, essência da Web 2.0.
O mundo é que não deixará de existir se não for notícia.
[Sérgio Lavos]